sábado, 13 de setembro de 2008

Costurando Conversas

Acabei o passeio pelo seu Jardim das Ilusões há pouco, e uma das impressões que ficaram – a primeira depois de fechar o livro - foi a de um texto trabalhado com dedicação e cuidado. Cuidado que se percebe na amarração do enredo, no volume e detalhamento dos dados, e por aí vai.
Enquanto dissertação talvez eu não tenha os instrumentos necessários para avaliar seu sucesso, já que meu contato com a bibliografia em questão é bastante rarefeito. Posso dizer que foi uma leitura bastante agradável, um jeito muito interessante de conhecer a “história” de um grupo teatral, a (milhões de aspas) “biografia” de Carlos Jardim, e tomar contato as questões referentes ao sujeito e a memória de um ponto de vista mais “psicológico”.
“Tu conseguishti” trabalhar tais questões, normalmente encasteladas no mundãozinho da academia, de maneira muito interessante, jogá-las na roda, na baila, literal e literariamente, como no diálogo bebum de Frederico, Michel e Gilesberto.
Então, se uma de suas intenções (difícil aferir as intenções de um autor) era digerir/driblar temas acadêmicos, discuti-los de maneira mais mundana, ou traduzi-los a uma linguagem mais mortal, ok, foi feito.
Acredito também que no seu horizonte de intenções e possibilidades, a homenagem - seja ao grupo Vira Lata, seja a Carlos Jardim - estivesse presente. Tenho certeza que não só Jardim, mas todos os que participaram deste grupo tenham ficado contentes. Uma homenagem bem corajosa, diga-se, como bem ressaltou nas coxias do texto Kátia Kasper, falando do “risco de se analisar criticamente o trabalho de pessoas com as quais se compartilha fortes vínculos”.
Um texto híbrido, misto de dissertação/peça teatral/biografia/cartografia/memorial..., eivado de metalinguagem, que se reflete sobre si mesmo e sobre o fazer teatral diversas vezes e de diversas maneiras, reverberando assim na própria idéia de um (não)sujeito multifacetado ou fragmentado e de uma memória oscilante, possibilitando leituras das mais variáveis.
Fora isto, algumas colocações ideológica aqui e ali que talvez tirem um pouco da fluência da leitura, mas, como nos diz o autor/personagem Édio: “O Jardim [das Ilusões] é uma seleção ética, estética e política de algumas forças que compõe/produzem o Vira Lata” (grupo do qual ele fez parte). Ademais, isto é assunto pra outra cerveja. Aqui cabe louvar sua coragem e êxito (?) no intento de cartografar a memória brincalhona do grupo Vira Lata.

Sujeito: (des)ser ou (não)ser? Êxito? Não.
Pra começar a escrever estas modestas impressões (pra achar o fio desta meada e costurar as idéias) tive a idéia de abrir aleatoriamente o livro mais rabiscado, marcado e post-it-ado que tenho; a frase sublinhada poderia bem se juntar com as outras citações e co-relações que você estabelece entre o seu Jardim e o Sertão do nosso amigo Riobaldo, dizia: “’Vida’ é noção que a gente completa seguida assim, mas só por lei de uma idéia falsa. Cada dia é um dia.”
É sobre o sucesso desta “idéia falsa”, e o suposto “fracasso” de sua obra (e também sobre outras possíveis relações do Jardim das Ilusões com aquele Grande Sertão) que desejo tecer alguns poucos comentários. Gostaria de dar minha versão dos fatos, uma visão mais literária que psicológica certamente, com alcance reduzido ao que o seu texto me apresentou em sua (in)finitude de sentidos.
Em tempo, cabe avisar a algum incauto leitor destas reflexões, que não sou eu, e sim o autor/personagem, quem deu ao seu epílogo o nome de: “Epílogo de Ilusões ou Desobramento: Onde se revela o fracasso dessa obra, bem como o seu eterno retorno.”
Como te disse outro dia, entre Seletas e Serra Maltes, para mim, o “fracasso” de sua obra se encontra não na afirmação (repetida várias vezes pelo desesperado autor/personagem prestes a entrar na faca) da impossibilidade de abarcar a personalidade de um sujeito como um todo: “[O] que eu tô tentando mostrar, justamente, é que este negócio de identidade não existe. Que o Eu, a cópia ícone – é apenas um momento provisório, uma pausa imaginária no conflito”. Mas sim, textualmente falando, na re-afirmação da necessidade inevitável de uma persona, ainda que precária ou passageira, representada na inexorável e improvável construção de um Frankenstein escatológico com os pedaços dos personagens.
Neste sentido, caro autor, é que penso que você foi traído por seus personagens em busca de um diretor, além de terem te costurado junto ao inevitável Frankenstein remendado, eles trazem a lembrança da inexorabilidade do ícone sujeito. O acerto de contas (consigo mesmo, com o Diabo, ou com o público) e a necessidade de referencial, nos fazem procurar pequenas ilhas/sujeito (quase sempre feitas de areia) de onde possamos admirar o rio passando em segurança, ainda que temporária.
Guimarães também parece perceber a transitoriedade do sujeito, como mostra a frase que eu escolhi para abrir estas idéias. Afinal, nos afirma Riobaldo na passagem mais citada do livro: “o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”. Ainda assim, Rosa gastou resmas de celulose tentando dar forma e organização a uma vida, tentando mesmo chegar ao cerne das coisas. E fez isto partindo do pressuposto de que um Rio (baldo) nunca é o mesmo no milésimo de segundo seguinte; talvez em busca justamente do meio (que aqui pode ser centro, ponto eqüidistante, mas também expediente ou método) desta Travessia - e dizem por aí que ele chegou a um bom resultado.
Este, a meu ver, é um ponto importante de contato do Jardim com o Sertão: a busca de um retrato do transitório. Uma “tentativa de descrição montada na ausência do sujeito”? Talvez. Penso que Guimarães não seria tão pós-moderno. Acho mais provável que ele se expressasse por meio de um oxímoro do tipo: “busca da essência do transitório”.
Cabe perguntar então como e por que captar esta transitoriedade (com o perdão da palavra aos pós-modernos franceses: essa essência do transitório)?
Passemos aos “comos”. Com que equipamento se fotografa não um rio em movimento, mas o movimento de um rio? Aí mais um ponto de contato do Jardim com o Sertão: nos dois casos o equipamento escolhido foram espelhos – pequenos pedaços (fotogramas reflexivos?).
Sempre pensei nos personagens descritos por Riobaldo (e no próprio Sertão) como partes (negações ou aspirações) dele mesmo, um jogo de espelhos e contrapontos, afinal eles só “existem” na memória dançante do ex-jagunço. Em seu texto encontrei uma palavra mais exata para descrever está impressão: vetores: “Cada simulacro de Jardim é um vetor dessas forças”.
Neste sentido, a forma escolhida para representar a memória do Grupo Vira Lata (jogar os pequenos pedaços de fotogramas-reflexivos na arena discursiva e deixá-los se enfrentarem ou se fundirem ou se matarem...) se assemelha de uma forma mais condensada (e guardadas as devidas proporções), ao jogo de forças e tensões discursivas que em Grande Sertão alcança proporções majestosas. Mas dizem por aí – guardadas as devidas proporções e a natureza dos objetivos específicos de cada obra - que você também chegou a um bom resultado.
Será possível então, retomando meu título estrambólico, falar em êxito nesta tentativa de representação de um (não)sujeito transitório?
Creio que há diferentes níveis de sucesso e fracasso possíveis neste caso:
Na reunião/embate final dos seus pequenos fotogramas-reflexivos, apontados um para os outros no seu Epílogo de Ilusões, sim, foi possível reconstruir a memória do Grupo Vira Lata. Mas o resultado foram outras centenas de imagens que ainda vão se refletir, como todo texto literário, no espelho individual de cada leitor - o que seria um fracasso. Ocorre que a impossibilidade de abarcar o sujeito em sua totalidade representa justamente a idéia defendida em seu texto, sendo assim, este resultado significa o sucesso de sua argumentação.
Mas, por outro prisma, se projetarmos os significados do texto literário para dentro de sua dissertação e para a (bilhões de aspas) vida “real”, a construção (não menos estrambólica, mas muito pertinente) do Frankenstein feito de retalhos de memórias/identidades/vetores significaria o contraponto de suas idéias nômades. Assim, no final, inevitavelmente é necessário costurar este sujeito, fazê-lo personagem, e colocá–lo pra atuar nesta ficção que inventamos chamada vida.
É... Como diria um certo jagunço: “Vivendo, se aprende; mas o que se aprende mais, é só a fazer outras maiores perguntas.”
Quanto aos “porquês”, e sobre a possibilidade nietzschiana ou pós-moderna de viver sem ilhas/sujeitos de areia... fica pra próxima cerveja, ou pro super-homem.
Abraço
Heinaldo Hening

segunda-feira, 19 de maio de 2008

O Jardim das Invenções

Outro dia disse a ele que escrever minhas sensações sobre o livro seria o mesmo que pintar um cachimbo e dizer deste que não é um cachimbo, como fez Magritte.

Aí ele me disse que descrever algo é mesmo difícil, que precisamos inventar objetos...

Fiquei eu pensando nesses objetos pra inventar, objetos que não falassem, mas que inventassem...

Acabei por criar pra mim a idéia de que posso eu ser o objeto inventado, e logo, me inventando, ir inventando diferentes versões das invenções, ir criando espaços pra sentir e sensações pra experimentar, e assim, me descobri dentro do livro!

De repente eu estava na fila do bar, depois junto com Frederico, Gilesberto e Michel quebrando a mesa, dentro da Vera, em ondas de riso, sendo costurada... e aí inventei sensações pra mim, naqueles lugares, me experimentando naquele tempo, e por isso não posso falar de minha sensação lá, porque agora acabo de inventar uma nova, como num desenho de criança, que acontece somente enquanto a linha dança pela folha, e depois de pronto, vira outra história, invenção...

LiLiHack

sexta-feira, 16 de maio de 2008

TELETRANSPORTE

Os viajantes do mundo, que absorvem as vidas, que desenvolvem a arte, que plantam a música, que colhem chuvas. Os personagens do mundo. Eu não acredito em tudo. Mas duvido pouco da imaginação. Partindo do início, "eu faria tudo de novo". Quando entrei no "jardim de ilusões" eu ainda estava bêbada. Cansada. A espontaneidade da leitura me carregou para um circo de sentimentos reais. Palavras-picadeiros. Tudo muito cru. (ausência) Menos líquida. Não precisamos de muito para sermos muito?! Porque não somos muito. Também fiquei contente por existir. Por não ser infeliz, oras. Não saí da platéia até o fim da peça. Coisa rara. Eu repudio o teatro, mas me vi tão atriz. Melhor, espectadora. De sonhos. Ou fatos? Uau! "É domingo em mim", pensei. Neste momento, eu estava saindo da fila do banheiro e indo para fila do bar. Ironia. Outra coisa bacana demais. Depois de atrasar por dois dias consecutivos no trabalho eu achei melhor seguir em frente. Fui até o fim. Que não é bem um fim. Talvez seja o começo. Até aí os espelhos ainda não tinham me revelado a verdade. Teriam poderes: as palavras, os personagens, o teatro ou o escritor? Eu preciso saber quem carregou a minha identidade. Original. Não posso esquecer. Eu também busco respostas. Nas janelas e parapeitos, enquanto empurro a balança da praça e observo o fundo dos olhos da minha pequena, nos restos de folhas que apodrecem no gramado, na fina camada de pó encima do balcão da sala. Ou talvez no brilho do ouro do colar que espedacei. Ainda deve ter algum valor. No entanto, você não citou você. (engulo seco) Admiro o silêncio da alma. Mas não acredito. Temo. Porém, me pus a acreditar. (fácil, fácil, mas não inocente, acho) Muito linda é a autencidade. Demorei a perceber que era tudo assim mesmo como seria se não fosse. Caráter em caracteres. Eu passei a acreditar.

Juana Dobro
Acabei de ler o jardim das ilusões. Parabéns, um belo trabalho. Fazia tempo que eu não pegava um desses livros que não dá vontade de parar de ler. (Muito engraçado o jeito que foi escrito "cluber") Mais comentários na próxima esbarrada...

Ernesto Silva
Gostei muito do teu livro Edio. Como foi surreal, quero dizer, o foi mais que isso, na verdade foi um misto de muitas coisas. Não sei se você sabe mas eu moro em Blumenau desde que saí de Maravilha com 7 anos, e tudo no livro indo para Maravilha para fazer a custura. Mexeu muito comigo mesmo.
Lembrei da minha infancia em Maravilha, e de uma apresentação da turna da TV-Colosso da época.
Eu degustei o teu livro temperado com todas as minhas memórias infantis de Maravilha, Cunha Porã, Iraceminha, Pinhalzinho...Faz mais ...

Leandro Comparin
Então...rss.. terminei de ler seu livro... e nos corredores d alguns eventos (não na fila do banheiro e ou bar...heheh) já trocamos comentários sobre o mesmo , um formato diferente e inteligente.. um bela homenagem tbem a Jardim , ele VIVEU não apenas existiu... o livro fez-me lembrar do efeito borboleta , uma única pessoa faz um a diferença danada na vida de varias ,um único pode mudar toda uma historia... Abraço sincero.

Nane Pereira
Terminei ontem de ler O Jardim da Ilusões, parece um sonho aonde se esta em um lugar e depois em outro e várias pessoas parecem ser as mesmas e as vezes são e depois não são mais. Gostei também da forma com que se aplicam conceitos teóricos no meio desta salada de fruta e como é interessante até pra quem não participou em nenhuma parte da história do Vira Lata. Parabéns.

Daniela Schlögl
Educadora - SECJ/PR